Há sentimentos sociais que se evidenciam e tornam mais exuberantes em determinadas épocas e face a determinadas circunstâncias. Estes sentimentos evidenciam-se através de atitudes, símbolos, cognições e comportamentos que se disseminam através de um processo de contágio social. Na génese deste processo está o processamento de informações do nosso contexto que providencia uma moldura emocional para a nossa apreensão da realidade sendo este fenómeno objeto de interpretação no nível social e no nível individual.
Neste texto detemo-nos sobretudo sobre a assimilação cultural que dá origem a um sentimento social. Esta assimilação cultural contempla tudo o que compõe as manifestações sociais, sendo estas manifestações económicas, as crenças, as capacidades do coletivo, as leis, e os costumes que são apreendidos pelo indivíduo. Neste leque manifestações podemos encontrar tendências ideológicas mais ou menos corrosivas da moldura psíquica coletiva e individual.
Vejamos o momento atual no que diz respeito a estas manifestações. Esta época que vivemos está eivada de crises, proclamadas nos vários canais de informação. Temos atualmente e em simultâneo crises climáticas, democráticas, institucionais, pandémicas entre outras, segundo os decisores políticos e institucionais. Dessas crises decorre um movimento de desestabilização das estruturas sociais que visam unir os participantes de uma determinada sociedade. Esta desestabilização está presente por exemplo na forma como funcionam várias instituições que servem de alicerces ao que consideramos a nossa sociedade. São disso exemplo o sistema educativo, o sistema de justiça o sistema de saúde, o sistema financeiro, entre outros. Digamos que estas crises colocaram à prova estes sistemas e ao fazerem-no colocaram a nu as suas debilidades, nomeadamente no que diz respeito á corrupção que corrói os propósitos das instituições.
O propósito da instituição ou estrutura social será sempre o serviço a uma ética, isto é uma estrutura de valores. Por exemplo a ética que serve o sistema de saúde seria algo como a ideia de que é importante socialmente criar meios para preservar a saúde e a qualidade de vida da população. Tal como a saúde também as outras instituições e estruturas têm as suas respetivas éticas. Neste contexto, o declínio institucional começa quando as instituições não são capazes de servir a ética que esteve na génese da sua formação, algo que parece atualmente evidente. Como consequência desse declínio está a desconfiança que grassa na população e contribui para a desmoralização e desunião social.
Como seres humanos um dos principais fatores que nos une é a existência de uma estrutura de valores comum, sendo esta um dos principais trunfos para o papel da religião na sociedade. Como a própria análise da palavra religião demonstra, vem do latim religare que significa re-unir, religar. Com a decadência do papel da igreja como centro unificador, que instituição tomará o seu papel? Qual será o altifalante que irá veicular uma mensagem que reuna uma hierarquia de valores?
A resposta a estas questões atualmente parece complexa, no entanto historicamente muitas vezes o estado ocupou este espaço deixado vago com resultados catastróficos. Assim previu Nietzche, filósofo alemão, quando referiu que o ser humano terá morto Deus e que não irá encontrar água suficiente para lavar o sangue. Somos segundo o autor, os assassinos dos assassinos e a época que se seguiu não é de boa memória para a humanidade, tendo culminado mesmo numa segunda guerra mundial.
Sendo assim, e para que as palavras de Nietzche não se transformem novamente em oráculos, voltemo-nos para a esperança. Sendo esta esperança, a esperança que nos reune sob uma mesma estrutura de valores e nos faz acreditar, ainda que seja difícil, num futuro melhor. Pratiquemos essa pedagogia, porque esse pode mesmo ser um antídoto para a desmoralização que tantas vezes sentimos.
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