O sentimento de culpa é um sentimento que surge como subproduto da violação dos valores internos da própria pessoa por oposição à vergonha cuja tónica está na violação de normas culturais e sociais. A culpa e a vergonha ambos contemplam a inadequação como ponto central, há a perceção de que o indivíduo falhou em corresponder ao que está certo e ao que é bom. No caso da culpa, este sentimento convida à punição do ego pela violação de expetativas morais.
A presença da culpa como fenómeno psicológico remonta a tempos imemoriais e prevalece como um vínculo coletivo à noção de ser humano enquanto ser moral, isto é, ser vivo que organiza a sua relação com a realidade de uma forma moral.
Não sendo capaz de concretizar de forma absoluta os ideais morais que orientam a nossa vida, sentimos de forma contínua na nossa vida culpa. Tomemos como exemplo a distribuição igualitária dos recursos, sendo este um pressuposto absoluto moral todos podemos sentir culpa de alguma forma ao tomarmos consciência da existência de quem tem menos que nós e de que de alguma forma somos privilegiados. Esta culpa pode não ultrapassar o limiar de deteção que permite ao indivíduo torna-la consciente, no entanto reside em nós influenciando as nossas atitudes e a forma como percebemos a realidade. Quando reside no inconsciente está mais distante de ser interpretada e devidamente integrada como um sinal que nos pode permitir uma resolução ou correção da mesma.
Este sentimento tem variantes importantes no que diz respeito à forma como se expressa em pessoas com diferentes tipos de personalidade. Em pessoas com elevados níveis de conscenciosidade, um traço da personalidade caracterizado pela tendência para o cumprimento escrupusloso de regras, pela organização, pela capacidade de adiar a gratificação/reforço e pela capacidade de se reger por objetivos; a culpa tem a sua expressão de forma exponenciada. Nestas pessoas, que tendencialmente são atentos observadores dos determinantes morais do comportamento, a culpa parece ter outro impacto. De tal modo que pessoas com elevados níveis de conscenciosidade podem ver-se mais facilmente manipuladas pelos seus pares narcísicos altamente competentes na manipulação social para alcançar os seus objetivos. Nestes casos a culpa parece um instrumento de subversão moral e instrumentalização da pessoa para conseguir um fim. A culpa induz um estado de desconforto psicológico, muitas vezes ansiedade, que convida a uma correção que muitas vezes é feita cedendo à expectativa narcísica que é continuamente comunicada.
Assim surge a pergunta: Qual será a melhor forma de não se deixar enredar neste tipo de manipulação narcísica? Em muitos casos o que acontece é uma transformação da pessoa num cético, desacreditando dos outros contudo esta solução está longe de ser ótima pois faz com que a pessoa desacredite do potencial de correção e melhoramento do outro. Ao acreditarmos e confiarmos voluntariamente no potencial do outro, mesmo tendo por base a consciência das suas inevitáveis falhas e corrupções morais, estaremos mais próximos de convidar esse potencial escondido a manifestar-se resultando na elevação dos padrões morais e éticos.
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