Pegar na cruz: A assunção da responsabilidade e fardo existencial.
Tiago Gonçalves
Tiago Gonçalves

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24 Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.

25 Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á.

26 Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?

Mateus 16:24-26

Estes versículos não nos devem iludir pois apesar de sintéticos, compreendem uma mensagem muito densa que contempla algo de profundo e simbólico na forma como o ser humano pode interpretar e conduzir a sua vida.

O mito do herói na imagem de Cristo contempla a ideia da personificação da verdade, amor, e coragem. Nesta personificação, a figura mitológica convida-nos a experimentar a vida de uma forma absolutamente comprometida com estes pressupostos e a aceitar as consequências do exercício desses pressupostos de forma voluntária. Na imagem da cruz parece residir um símbolo que ilustra precisamente as consequências dos nossos atos. Na cruz está contida toda a carga simbólica do fardo existencial que nos é legado pela tragédia que todos experimentamos na nossa vida. Protestar contra essa tragédia de forma ressentida e magoada é muitas vezes não aceitar a estrutura da existência e tornar uma situação já de si trágica em algo ainda pior. Por isso, para fazer face ao ressentimento e mágoa, Cristo convida-nos a pegar no fardo existencial e a aceitar o nosso destino. Simultaneamente, este é um convite ao sacrifício em nome da apoteose existencial que será a vida plena de significado e propósito. Esta é a proposta das liturgias, a vida espiritual que se ganha em nome de cristo pela adesão aos valores por ele representados. Somos como que convidados a experimentar a vida de cristo através da toma da cruz, no entanto para que tal seja realizado com sucesso é fundamental que o ser humano “ a si mesmo se negue”, isto é que abdique da segurança e do falso conforto narcísico. Aqui, negar-se, pode significar a capacidade para aceitar o sacrifício de lutar pelos seus objetivos sem ter a certeza de que estes serão concretizados. Neste caso a inabalável fé de Cristo permite-lhe aceitar o caminho do sofrimento e da dor pois acredita/sabe que a transcendência o espera, isto é, em linguagem profana sabe que o sofrimento não é em vão, que lhe permitirá alcançar os seus objetivos.

O que poderíamos concretizar se nos entregássemos de forma totalmente comprometida à luta pelos nossos objetivos ? Que descobertas faríamos nesse caminho acerca da nossa força, resiliência e simultaneamente das nossas limitações ? Ao que parece este nível de entrega pode permitir-nos aproximar do nosso ideal, ou seja, desenvolver o nosso potencial enquanto pessoas. Para nos permitirmos pegar na cruz temos invariavelmente que nos confrontar com as nossas limitações e procurar algum tipo de superação. Desde logo, essa confrontação com as limitações diz respeito à confrontação com o ressentimento e mágoa que todos sentimos pois nestes sentimentos está contida a negação do sacrifício voluntário em prol do nosso potencial eu. Negamos muitas vezes este sacrifício porque ele implica a negação de uma parte nós, a negação do eu atual em prol do eu potencial, o caminho para o que poderíamos ser tomando consciência do que somos. Daí que seja tão difícil trilhar este caminho, pela angústia que existe em abdicar de uma determinada imagem virtuosa de nós ou abdicar de pretensas certezas que temos sobre a nossa vida e a realidade que nos rodeia. Paralelamente, ao pegar na cruz deixamos de ser vítimas das nossas circunstâncias pois realizamos um sacrifício voluntário e consciente. Posto isto, o ato simbólico de pegar na cruz parece reservar para quem o realiza um convite à aceitação da responsabilidade de lutar pelos nossos objetivos e consequente convite ao exercício da coragem.

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