Todos fabricamos ideias sobre os outros criando expectativas e pretensas verdades que, por vezes, são em grande medida um reflexo do criador e não necessariamente uma imagem rigorosa do visado pela análise. É humano criar um modelo que nos permite antecipar o futuro e organizar o nosso mundo interior, inclusive permite reforçar as nossas crenças projetando as nossas expectativas. Nada mais natural que isso, esperar que o outro se encaixe no nosso complexo puzzle mental.
Tomemos como exemplo a expectativa que temos de quando levantamos a mão acenando, esperamos a devolução desse gesto. Projetamos uma expetativa acerca de um comportamento culturalmente adquirido e com isso vêm uma série de atribuições sobre o perfil psicológico da pessoa que nos devolve ou não o aceno. Estas atribuições serão mediadas por vários factores, dos quais um dos mais importantes será o grau de identificação com a crença em questão. Se no nosso caso o comportamento em causa não é simbólicamente significativo o suficiente para nos fazer questionar a idoneidade da pessoa, possivelmente não atribuiremos intenções pérfidas à inexistência do aceno. No entanto, no caso de existir uma sobreidentificação com a crença será mais provável fazer-se uma clivagem. Este processo de clivagem diz respeito a divisão dicotómica de um determinado objeto de análise, por exemplo rotulando-o de bom/mau, preto/branco, sucesso/fracasso, sombra/luz.
Esta hipersimplificação da realidade traz-nos uma certa consistência perceptiva, por oposição ao caos da fragmentação. Na constância está também a rigidez e a pretensa segurança de uma unidade sensorial com a realidade, um alinhamento. No entanto, toda a qualquer crença tem subjacente um passo de fé, isto é, um artigo que se refere a um cálculo de verdade e não a uma verdade rigorosa.
Nas imediações destas ideias de quem foge das expectativas sociais nasce o conceito de sujeito perigoso, alguém que se move de forma anti-canónica, desafiante e subversiva. Nas suas atitudes o sujeito perigoso rompe com o que é tradicional ou conveniente para usar de uma espontaneidade amplamente proibida por consensos ou conveniências sociais. O sujeito rotulado como perigoso, pode ser uma ameaça para os outros, vertendo a sua agressividade nestes ou então sendo uma ameaça para instituições sociais. Pela amplitude do termo importa considerar as diferenças destes dois tipos. Podemos dividir em duas categorias, aqueles que o são maioritariamente por índole, razão de ser de carácter, e os que o são essencialmente por definição social emanada pelas instituições com poder.
Nos primeiros podemos estimar a sua perigosidade de forma transversal a culturas, credos e demais políticas vigentes. Todas as culturas têm sujeitos que fazem perigar os outros de forma deliberada e intencional, quer no seu bem estar físico quer no seu bem estar patrimonial. Estes sujeitos encaixam numa definição ancestral de perigo, dado que a sua existência é imemorial. Podemos considerar como características chave e tendências na sua matriz de personalidade : a impulsividade e a busca pela gratificação imediata, a ausência de remorso e o pragmatismo da manipulação.
Os segundos têm uma definição complexa dado o maior relativismo cultural da definição. Por vezes, estes são os sujeitos que usam da arma do questionamento das normas vigentes como ferramenta de interpretação do mundo. Uma arma que não é bem-vinda, é muitas vezes censurada particularmente em regimes autoritários repressivos. Esta censura passa pelo silenciamento do questionamento através da pressão social para a conformidade com as normas vigentes, pela proibição da palavra ou, em último caso pelo uso da força. Assim, as instituições sociais, identificam e rotulam o sujeito perigoso para que este seja tratado como tal. Um ser parisitário que prejudica o hospedeiro (estado/comunidade).
Importa fazer estas distinções para que não sejamos levados a atribuições erradas e estimativas desfasadas do verdadeiro grau ameaça e de onde está a ameaça. Facilmente usamos os nossos filtros perceptivos de forma pouco consciente e podemos ser influenciados no nosso comportamento face ao outro. Para depurar a realidade e fazer sentido do que se passa à nossa volta precisamos de curiosidade e espírito crítico, essas ferramentas podem ajudar-nos a conhecermo-nos melhor a nós mesmos e, por conseguinte, conhecer melhor o outro.
Se quiseres apoiar o meu trabalho podes enviar BTC através do seguinte endereço lightning:
https://lntxbot.com/@tvieiragoncalves